A Grande Carta de Masatoshi Nakayama Sobre o Kumite!

Carta Do Masatoshi Nakayama: Karate Esportivo x Karate Marcial
"No inicio o karatê-do, por alguns anos após 1935, clubes de karatê por todo o japão promoviam encontros inter-clubes.
Eram chamados de "Kokangeiko" ou "Intercâmbios de praticas e cortesia" onde os participantes atacavam livremente uns aos outros com todas as técnicas a sua disposição.
O proposito original era promover a amizade entre os clubes.
As lutas eram para consistir em demonstrações de Kata, padrões definidos de ataque e defesa, ou de práticas de ataque e contra-ataque.
Essa última, idealmente era um evento formalizado.
Uma pessoa atacava apenas uma vez. Seu oponente contra-atacava, também, uma só vez.
Ambos continuavam alternando-se controladamente.
Porém o sangue jovem dos alunos esquentava muito rápido para se satisfazer com algo tão brando.
Eles não conseguiam resistir a tentação de usar, ao máximo, as técnicas que haviam aprendido e as proezas que conseguiam desenvolver através da prática diária.
Haviam cinco ou seis desses desafiantes de cada universidade nessas lutas free-style.
Com um brando de valentia, ao devido sinal, os oponentes emparelhados começavam a lutar.
Se um mal acontecia, era responsabilidade dos juízes intervirem e separa-los.
A verdade é que os juízes raramente tinham tempo de exercer sua responsabilidade.
A coisa acabava em meros trinta segundos!
Alguns tinham os dentes quebrados ou narizes torcidos.
Outros tiveram suas orelhas praticamente arrancadas ou ficavam paralisados por chutes no abdome.
Os feridos agachados ao redor do Dojo formavam uma cena sangrenta.
Nesses primórdios o Karatê não tinha regras, apesar de haver um acordo entre cavalheiros de não acertar órgãos vitais.
Apesar dos feridos, o costume de promover tais lutas permaneceu popular por certo tempo.
Eu era um aluno de um desses clubes na época.
Se o costume perdurasse, eu temia, o karatê iria degenerar em uma prática barbárica e perigosa! Ainda assim, derrotar um oponente é o objetivo de todas as artes marciais.
Uma pessoa deve lutar livremente num embate e testar suas técnicas, se quiser manter suas habilidades.
Sendo assim pensei: O Karatê é muito potente e perigoso para competições de luta.
O karatê foi desenvolvido em Okinawa, onde o povo era estreitamente proibido de usar armas.
Seus praticantes aprendiam a se defender estudando os Kata.
Não havia luta desportiva.
Apesar de ser possível manter nossa técnica através da prática sem um oponente, não podemos aprimorar nosso condicionamento físico e mental necessários numa batalha real.
Precisamos aprender especificamente como superar a ansiedade, ou quão longe nos posicionar do oponente.
Sem a prática com um adversário, não conseguimos trabalhar nossa capacidade ao máximo.
Eu enfrentava um dilema: "Lutar é perigoso, mas lutar é indispensável".
Só através disso podemos manter as habilidades essenciais na nossa arte.
Mesmo após me graduar na universidade, eu mantinha a esperança de ver o desenvolvimento de uma luta real que faria do Karatê-do uma arte marcial moderna.
Certa vez eu organizei um combate com lutadores usando equipamentos de proteção, mas a roupa especial era um obstáculo e mostrou-se, ela mesma, a causa de ferimentos inesperados.
Tive que continuar procurando uma solução.
Isso foi antes da segunda guerra mundial.
Após a guerra, o Japão abandonou a militarização do passado e começou, do zero, como uma nação pacifica.
Ainda assim, os clubes de Karatê universitários continuaram mantendo seus selvagens torneios de luta e o numero de feridos continuava se amontoando.
No novo clima de paz, qualquer forma de violência era uma coisa odiosa.
Pensei que se continuasse daquela forma, seria considerado a personificação da violência e eventualmente sumiria.
Apesar disso, o Judo e Kendo desenvolviam-se como esporte.
Os gloriosos torneios de natação e basebol abrilhantavam o jubileu pós guerra.
Jovens praticantes de karatê começaram a desejar que o Karatê se tornasse um esporte com regras e que tivesse competições com regras.
Achei que era hora de fazer do Karatê um esporte.
Estudei as regras de vários esportes e observei competições.
Finalmente, desenvolvi regras de competição e estilos de luta em que os competidores poderiam usar técnicas de Karatê com plenitude sem machucar uns aos outros.
Entretanto, se puséssemos muita ênfase na luta, perderíamos a técnica.
Para prevenir, criei também um campeonato de Kata.
As lutas que desenvolvi consistindo em combate livre e Kata aconteceram primeiramente em Tokyo no Grande Torneio de Karatê de Todo Japão, em outubro de 1957, sob o auspício da Japan Karatê Association (JKA).
Eram ataques impressionantes e contra-ataques rápidos, poderosos e tecnicamente bem controlados.
Os praticantes de Kata mostraram movimentos rápidos e belos.
A plateia se impressionou com ambas as competições.
Nenhum dos praticantes se machucou.
As novas lutas foram um grande sucesso.
Esse foi o começo das competições que permeiam os eventos de Karatê até hoje pelo mundo.
Finalmente uma luta de combate real havia ido a público.
Como pode ver, resolvi meu dilema e sucedi em criar a luta de Karatê.
Ainda temo uma coisa: Com a popularidade do Karatê, os praticantes ficarem absortos na ideia de vencer.
É fácil pensar que ganhar pontos vale mais, e as lutas certamente irão perder a rapidez de ação característica do Karatê.
Nesse caso, as lutas de Karatê evoluirão de maneira a se tornarem meras trocas de socos.
Mais ainda, não sei dizer se a ideia de combates de sparring livre se adequem a alma do Karatê como ensinado pelo mestre Funakoshi Gichin, fundador do Karatê-Do.
Como verás posteriormente, a alma do seu Karatê requer um elevado padrão ético."
Oss!